segunda-feira, 3 de abril de 2017

Passada com o Estado - 1

Tenho para mim que o Estado acha que o povo é completamente descerebrado.
O Estado começa a passar a linha do desagradável a partir do momento em que quer regular questões que dizem respeito apenas ao bom senso. Como se o povo fosse uma cambada de energúmenos sem educação nenhuma, sem pinga de bom senso e precisasse das mais absurdas directrizes para que consiga viver em harmonia numa sociedade organizada.
Passo a explicar: desde que esta parvoíce da lei das prioridades nas filas surgiu, é impossível ir ao Pingo Doce do meu bairro. Apesar de existir uma caixa aberta só para atender os prioritários, eles invadem toda e qualquer fila, exigindo passar à frente dos que, como eu, não são terceira idade, não estão grávidas, não andam com criancinhas ao colo e não são deficientes. 
Eu até já só faço compras online... mas os produtos frescos, faço questão de ir buscar dia sim, dia não, porque tenho esta mania, pronto. Então imaginem-me de alface e abacaxi na mão, talvez também com uma caixa de cápsulas para a máquina de café porque acabou, sei lá, e nisto tenho velhinhas com carrinhos de compras cheios a berrar "EU VOU PASSAR À FRENTE" e a menina da caixa a ordenar ao casal com a criança birrenta e ruidosa com as compras de um mês que me faça o mesmo. Quando finalmente posso pagar a porcaria das três coisinhas que levo na mão, a alface já está em estado de putrefacção e a minha paciência também.
Mas não é uma óbvia questão de bom senso que, ao ver um velhinho caquético e todo curvado, já a olhar para a cova onde vai finalmente poder descansar, eu o deixe passar à frente? É! Mas se ele tiver ali dois carrinhos a abarrotar de mercearias e eu quiser apenas levar uma caixa de pastilhas, tenho que o deixar passar? MAS QUE IDIOTICE VEM A SER ESTA?
É que isto acontece a qualquer hora do dia, porque neste bairro as pessoas fazem procissão até ao Pingo Doce desde a hora de abertura até ao fecho. É impossível descobrir uma hora tranquila para fazer compras sossegada. E eu fico mesmo lixada.
Há dias, uma anormal de uma velhota, toda espigadota e cheia de energia (mais que eu), decidiu perguntar-me, antes de passar à minha frente, se eu estava grávida.
- Eu não tenho corpo de grávida, mas a senhora tem cara de velha. Passe com as suas 1480 embalagens de chá que estavam em promoção, os seus rebuçados, o fiambre e o queijo, o açúcar, os pacotes de arroz, as couves, os enchidos, a carne, o peixe, as batatas... que eu e os meus espinafres temos muito mais tempo de vida disponível para esperar.
Claro que fico com mau feitio, claro que é irritante e injusto. Em vez de se perder tempo com legislação desta índole, deviam educar-se as crianças para que se viessem a tornar adultos bem formados e com valores.

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