terça-feira, 30 de julho de 2013

Aquela música

Candice Swanepoel
Quando ouvi aquela música, tive saudades da pureza da juventude, de que sobram apenas ligeiras reminiscências. Tenho a idade do mundo, tenho em mim o peso dos anos de toda a humanidade. E quando ouvi aquela música, senti-me outra vez livre, revivi os sorrisos espontâneos, ouvi as gargalhadas dos meus amigos, tão jovens como eu, tão leves como as lágrimas que não contive nas despedidas. Eles bebiam de mim e eu deles, aprendíamos dos mundos uns dos outros, que cada um de nós é todo um planeta cheio de vida a florescer. E não sabíamos tanta coisa. Essa doce ignorância, esse tabuleiro de xadrez em que colocávamos os nossos dias, sem tons de cinzento, era tão confortável. Com a idade, a paleta de cores alastra-se, a nossa compreensão abrange territórios pantanosos, as cedências são cada vez maiores. Como se esmorecesse o vigor da convicção. Ela continua lá, mas a tolerância não a deixa vir sempre ao de cima. Quando ouvi aquela música, percebi a mensagem das palavras que me tinham sido ditas. E senti uma compaixão enorme por quem me falou dessa postura simples de quem ainda é mais jovem que eu. Não é de idade que falo, é de ser. É daquela coisa a que Saramago se refere, que está dentro de nós e que é o que somos. E quando ouvi aquela música, reparei que não deixei de ser. Só adormeci. Cresci. No entanto, continuo a procurar o mesmo. Acho que não existe em lado nenhum aquilo que procuro com tanta sofreguidão. Talvez nunca o encontre. Senti-me conformada. Essa conclusão fez-me chorar. Fui fazer o almoço.

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