quarta-feira, 3 de abril de 2013

Como um fardo. Como um fado.

Adriana Lima
Há memórias que magoam. Dores que se alimentam das recordações. É por isso que devemos evitá-las, afugentá-las, fugir delas. Deixá-las arrumadas no fundo das brumas da memória, longe do peito, para que não se humedeçam os olhos. Como se deixássemos o passado lá atrás. Nunca fui boa nesse gesto simples de encolher os ombros e seguir em frente. Preciso de tudo dito, tudo falado, todos os sentimentos transformados em palavras que as cordas vocais entoam para que o outro me ouça a alma. Não tenho jeito para me conformar nem para deixar ir com o vento e através do tempo tudo o que já foi. Como se o passado me pesasse. Ele, com as suas histórias densas, os seus sofrimentos atrozes e o consequente pranto. Como um fardo. Como um fado. Não sei deixar estar. Não sei deixar passar. Passo eu, sigo adiante, mas trago comigo esse saco cheio de estórias de noites mal dormidas, de almofadas humedecidas e de gemidos puros, tão puros como o desespero que me corria nas veias. Não sei como se esquece. Não sou Jesus, que pede perdão por quem não sabe o que faz. Sou apenas eu, com pena da menina que fui. Roubaram-me a ingenuidade e com ela a capacidade de entrega. Roubaram-me o sonho, a intensidade eufórica e a utopia. Roubaram-me o coração crédulo. Se por um lado me tornaram mulher, uma mulher tão profunda como ardilosa, por outro mataram a sã e cristalina forma de amar, sentir, dar. E esse roubo, esse trágico assassínio  de quem fui, ainda me custa. Ainda me mói. Não é rancor o que sinto. É uma sensação de ultraje que não me permite deixar estar, deixar ir, deixar passar. Não consigo compreender que se durma sem sentir diariamente a culpa de tão malévolo crime. Não consigo compreender que se viva. Não consigo compreender.

2 comentários:

Tamborim Zim disse...

Hum. Aplicamos a pena de morte, neste caso?

Ana Catarina disse...

Depois de ler este texto teu fiquei sem palavras... só consigo te enviar um beijo e um abraçinho bem forte! <3