quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

A kizomba de outros tempos e o roçar de fivelas de hoje.

Beyoncé
Lembram-se da minha incursão no mundo da dança? Pois. Na altura, a Imperatriz Sissi sugeriu que falasse um pouco mais sobre o assunto, já que quando vos contei que a Mana Lamparina me tinha arrastado com ela para as aulas de Afro-Latinas, frisei a diferença óbvia que existe entre o que se entende por kizomba actualmente e o que é para mim dançar qualquer ritmo africano. Sem poder exemplificar nada recorrendo ao meu corpo, isto vai ser giro... bom, mas deixem-me contar-vos que a Mana é tão persuasiva que também conseguiu convencer o namorado e a sogra, pelo que agora somos uma verdadeira trupe de aprendizes. Uma lesão grave fez com que a minha pequenina tivesse de abandonar, pelo menos por uns tempos, o ballet e a contemporânea, o que faz daquele bocadinho às sextas-feiras o escape para a sua frustração. A fisioterapia é uma seca, custa que se farta e pelo menos ali diverte-se e pode dançar, que é a sua verdadeira paixão. Entre os ritmos animados da salsa ou da kizomba, sempre esquecemos o que não interessa e vamos apreciando a falta de jeito de uns e o esforço de outros. A pior parte continua a ser a obrigatoriedade de dançar com estranhos. Sou muito pouco simpática para quem não conheço e não estou nada habituada ao contacto próximo com quem não seja no mínimo meu amigo, pelo que esta tarefa se torna mesmo difícil para mim. No entanto, continuo a ir às aulas porque adoro aquela hora e meia em que deixo o corpo dorido.

Mas voltemos ao assunto que nos traz aqui hoje: o professor ensina kizomba de danças de salão, com muita técnica e com uma abordagem moderna. O que significa isto? Que há um quê de rebolation, um gingar pensado e construído e um toque de tarracha (ver no youtube) quando faz demonstrações com a esposa, que exerce funções de assistente nas aulas. Não consigo evitar o riso quando eles dançam, porque eles dançam para caramba, numa harmonia nunca antes vista, mas o que fazem não é kizombar como eu aprendi desde pequena - uma coisa muito simples e natural. Claro que a adaptação de uma dança tradicional às danças de salão implica a sua esquematização, mas aquilo a que chamo de kizomba moderna é tudo menos kizomba como a conheço.
Passo a explicar: as minhas tias e primas mais velhas só podiam ir a festas se acompanhadas pelos irmãos mais velhos, para que não houvesse qualquer tipo de abusos. Nas festas em casa do meu avô, dos meus tios, primos e inclusivamente em minha casa, nunca vi mãos onde não devem estar (nas costas e nos ombros), nunca vi ninguém roçar-se nem nunca vi rabos a agitar freneticamente. Porque o gingar surge apenas como consequência do movimento dos joelhos e não de um qualquer forçar de ancas. Se até a minha bisavó dançava kizomba, não poderia ser de outra forma. Tudo o que vos traga a palavra rebolation à cabeça é show off ou puro aproveitamento.

Parece-me que o respeito de outros tempos terá ido à vida e que kizomba se tornou sinónimo de fivela-com-fivela, o que retira toda a essência da natural sensualidade que um ritmo quente pede. Quando falei com o professor sobre esta minha perspectiva, até para lhe dar a entender o porquê da minha dificuldade em contar todos os passinhos que dou, uma vez que danço sem pensar no que faço desde pequena, ele não fazia ideia do que estava a falar. Já ninguém conhece aquelas músicas lindas de antigamente e quando falo de kizomba antiga, perguntam-me se falo de há dez anos atrás. Sinto-me, portanto, uma idosa retrógrada, já que as músicas mais recentes de que gosto são provavelmente as dos Tabanka Djaz, uma banda que nem sei se ainda existe. Outra coisa que me põe em fúria: fala-se em kizomba e as pessoas lembram-se imediatamente dos Irmãos Verdades. Assim não dá. Eu falo de uma dança respeitosa, elegante e sensual e a maioria das pessoas ouve ataques epilépticos com muito suor e preliminares à mistura. Foi por isso que combinei com o professor levar-lhe uma pen com kizombas verdadeiras, antigas, sem remixes de Adele nem com um twist esquisito.

Com isto tudo, perguntar-me-iam vocês: "Mas Menina, se assim é, porque continuas lá?"
E eu responderia: "Porque aquilo é mesmo giro, o professor é óptimo, ainda estamos em fase de iniciados e até já aprendi umas passadas para me exibir quando dançar com o meu tio. Além disso, aprendi uma coisa muito importante e que faz toda a diferença: ser conduzida."