terça-feira, 4 de outubro de 2011

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A minha bisavó decidiu que tinha que ir ao estomatologista. Marcámos consulta com um dentista amigo e lá fomos com ela. A sua queixa era nada mais nada menos que "tenho muito cuspo". Resposta obtida: "- Então devia pensar em arranjar trabalho nos Correios a lamber selos".

Adoro lembrar-me destes episódios com que ela ainda hoje me diverte. Reviver até as mais mundanas acções atenua a saudade que sinto todos os dias. A minha vó foi tudo o que se pode pedir de uma avó e muito mais. A minha vó foi mimo, abrigo, recreio e lições. Partilhámos o mesmo tecto desde os meus seis meses de idade. Partilhámos o início e o fim uma da outra, que se eu ainda estava a começar, ela já aguardava o momento em que nos diria adeus. A diferença de idades só se notava às vezes, porque as gargalhadas eram constantes e o amor inquebrável. Tenho saudades das mãos dela, do colo onde eu podia deitar a minha cabeça, do riso, de a chatear. Tenho saudades de a ver sentada na sua cadeira, junto aos livros que não sabia ler. Tenho saudades de lhe ler os livrinhos da Turma da Mônica, de cantar para ela, que era a mais fiel das minhas espectadoras. Assistia aos meus teatros com a atenção de quem não poderia estar em melhor sítio. Ouvia as músicas que compunha mal emporcamente ao piano e aplaudia. Será que ela sabe a falta que me faz? Separámo-nos quando eu tinha catorze anos e ela cento e dez. Será que ela sabe que penso nela todos os dias? Que lamento não poder levá-la a passear, agora que sou grande e tenho carta? É que era mesmo isso que me apetecia hoje. Ir com ela até à beira-mar. Partilhar com ela os meus medos, dizer-lhe que não tem sido fácil, saber o que pensa ela disto tudo. Tê-la a acalmar-me, a apaziguar o meu desencanto. Ter a sabedoria dela aqui à mão. Em nove letras e três palavras: Rir com ela.

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